Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiro_ Ano XV_2008




Mário Gibson Barboza

Nascido em 13 de março de 1918 na cidade de Olinda, Mário faleceu aos 89 anos no dia 26 de novembro de 2007, no Hospital Samaritano do Rio de Janeiro - Botafogo, onde estava internado há uma semana com falência múltipla dos órgãos. Teve seu corpo cremado no Memorial do Carmo no Caju no dia 27.

Diplomata de carreira, ingressou no Ministério das Relações Exteriores aos 21 anos (1939), mediante concurso. Antes, foi funcionário do Thesouro Nacional.


Por procuração, pois se encontrava nos Estados Unidos, casou com Iolanda e em segunda núpcias com Julia Blacker Baldessari Gibson Barboza. Não deixou descendentes.


Mário foi o segundo filho do casal Oscar Bartholomeu Alves Barboza, nascido em Portugal e da pernambucana Evangelina Xavier Gibson, esta filha de Francis e Alexandrina. 

Seu pai, português de nascimento (segundo a tradição oral da família), faleceu aos 52 anos de idade deixando três filhos: Murilo, Mário e Oscar (os dois últimos ainda menores). Dono de uma boa situação financeira, Barboza se dedicava a fabricação de bebidas e transporte marítimo de cargas e devido às dificuldades inerentes à administração deste tipo de empresa, sua viúva (tia Vanja), não conseguiu manter os negócios. A família então endividada pelo tratamento médico do Oscar (a tradição oral da família fala em câncer de pele) sobreviveu aceitando hóspedes em sua residência na rua da Aurora, em Recife.

Não temos muitas informações sobre a infância de Mário. Noticia publicada no "Jornal do Recife" - edição de 25 de fevereiro de 1930, nos informa que:
 "no baile a fantasia promovido pelo sr. Fernando Barbosa, em Tigipió (bairro onde a família de sua avó materna tinha muitas propriedades), destacaram-se pela originalidade e bom gosto, Hélio Walcacer (primo de Mário, filho de Doralécio Walcacer e Guiomar Gibson) e Mário Barbosa (com 12 anos de idade), fantasiados de "marinheiros nacionaes".

Apesar das dificuldades enfrentadas e já morando em Olinda, Mário, após concluir o Curso Ginasial no Colégio Pernambucano, tradicional educandário pernambucano, conseguiu ingressar aos 14 anos na Faculdade de Direito do Recife e aos 19 anos de idade recebeu o título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, isso em 1937. Teve como colega de turma, aquele que seria o futuro governador de Pernambuco, Miguel Arraes.

Trecho de entrevista de Mário ao Programa de Memória Política da Câmara Federal:
“Formei-me muito novo, com 19 anos de idade. Fui muito precoce em muitas coisas. Com 19 anos de idade era possível naquela época porque não havia o curso intermediário. Havia o curso primário, o curso secundário, ou ginasial, e depois a faculdade. Era possível passar do ginasial para a faculdade simplesmente fazendo um exame de admissão. Como eu acabei cedo, fiz o exame de admissão no mesmo ano e entrei na faculdade de Direito com 14 anos de idade. Foi preciso o conselho reunir-se para aprovar a minha matrícula, porque o limite era 15 anos de idade, mas como eu tinha passado, eles aprovaram, eu entrei, fiz esses 5 anos e voltei.

Com 19 anos cheguei ao Rio de Janeiro disposto a ser advogado. Eu pretendia ser advogado. Nunca soube o que é uma vocação diplomática para dizer a verdade. Nem eu sabia direito como era essa história de Itamaraty, eu nunca me interessei por isso. Eu queria ser advogado, mas um advogado que chega sem um amparo, sem uma banca de advocacia para trabalhar, o que faz? Aluga uma salinha? Põe uma placa do lado de fora? Não vai ter cliente nunca, não é? E eu fiquei assim esses 2 anos, procurando saber como poderia me orientar para seguir a carreira de advocacia, indo muito à praia e gostando muito do Rio de Janeiro.” 

Quando Mário decidiu migrar para o Rio de Janeiro buscando melhores condições profissionais, foi acompanhado pelo primo Marcílio (vide biografia) e pelo amigo Abelardo, um estudante de Medicina que juntamente com sua mãe, moravam como hóspedes de tia Vanja.

Minha mãe (Virgínia Gibson), apesar de ser cerca de 10 anos mais nova que Mário, lembrava-se bem desse tempo e referia-se ao Mário como uma pessoa de hábitos aristocráticos, muito bonito e extremamente vaidoso. Sério, porém muito simpático. Não foi à toa que no Itamaraty recebeu o apelido de Marquês de Olinda.

Sobre o amigo dele, Abelardo, mamãe dizia que era muito brincalhão e estava sempre “fazendo graças”.

No Rio, Mário procurou a orientação do nosso tio Romeu, também advogado, que conseguiu seu primeiro emprego no Imposto de Renda e o aconselhou a prestar concurso para o Instituto Rio Branco
(foi aprovado em 4º. lugar). Tio Romeu na época era uma das referências de nossa família. Ligado a Oswaldo Aranha, de quem foi chefe de gabinete, chegou a ocupar o cargo de Delegado do Thesouro Nacional em Londres, que acompanhava a impressão de nossas cédulas de Cruzeiro (moeda da época) pela Thomas de La Rue Companie.
Marcílio ingressou na aeronáutica onde fez uma brilhante carreira. Vide sua biografia.

Abelardo, que abandonou o curso médico, foi trabalhar na Radio Tupi do Rio de Janeiro e tornou-se posteriormente conhecido nacionalmente como Chacrinha. Abelardo também tinha o sobrenome Barbosa mas desconheço qualquer vínculo de parentesco para com o pai de Mário.

Em áreas completamente diferentes, os três – Mário, Marcílio e Abelardo, conseguiram muito sucesso nas profissões escolhidas.

Como dissemos, Mário era conhecido no Itamaraty como o Marquês de Olinda, por causa de seus hábitos aristocráticos e pelo intenso amor a cidade de Olinda, onde nasceu e morou até os 12 anos de idade. Mesmo morando posteriormente em Recife, ele, neto de Francis, tinha orgulho em ser relacionado como um Gibson de Olinda.

Estive com Mário em 1980, no Pamphilli Palace – Roma, quando ele era o nosso embaixador na Itália e se preparava para assumir a Embaixada da Inglaterra. Surpreso com a beleza da casa, principalmente dos afrescos, Mário me advertiu: "Não se impressione, primo. Sou apenas o morador". Já mantinha correspondência com ele, pois em 1975, quando eu estava residindo em Oxford – Inglaterra, ensaiei uma ida à Atenas aproveitando o fato dele como nosso embaixador na Grécia, residir lá. Manifestei meu desejo ao primo e ele imediatamente respondeu concordando e incentivando. Pena que não consegui concretizar esta viagem.
Mário também tinha interesse em genealogia, era um curioso sobre nossas origens e cheguei a fornecer a ele alguns dados que tinha sobre os Gibsons. Na época ele me mostrou um tartan dos Buchanans (que é usado também pelos Gibsons escoceses) e que tinha comprado em uma visita à Escócia com o objetivo de mandar fazer uma saia para sua esposa Júlia. Neste contato pessoal com ele que foi o único que tive, ele manifestou a vontade de comprar e manter a casa que pertenceu ao avô Francis, em Olinda.
No Itamaraty ocupou todos os cargos glamorosos do Ministério, o chamado “circuito Elizabeth Arden”, sonho de todo diplomata.

Vejam a trajetória profissional de Mário descrita pelo diplomata Synesio Sampaio Goes Filho, para a revista da Associação dos Diplomatas Brasileiros:

“Na nossa Casa, Gibson foi tudo: Ministro-Conselheiro em Buenos Aires e na ONU; embaixador em Viena, Assunção, Washington, Atenas, Roma e Londres; sem falar do Itamaraty no Rio, onde foi Chefe de Gabinete quatro vezes, Sub Secretário-Geral, Secretário-Geral e Ministro de Estado.

Uma carreira única: sempre teve funções de relevo, sempre foi prestigiado pelos chefes e reconhecido pelos colegas. Mas foi a experiência de seu primeiro posto, que o marcou por toda a vida. Serviu por seis anos nos Estados Unidos, na fase das históricas conferências que montaram o sistema das Nações Unidas - durante e após a Segunda Guerra Mundial e seus chefes eram os grandes nomes do Itamaraty de então: Carlos Martins, Leão Veloso, Freitas-Valle e Maurício Nabuco.”

Muito mais que um diplomata, Mário foi um estadista, um homem de visão e deixou uma forte marca pelo seu trabalho, que aqui destaco alguns pontos:

1.  A extensão do limite territorial de nossa fronteira marítima para 200 milhas por decisão unilateral do Brasil. Enfrentou a pressão engendrada por grandes potências, como os EEUU, a França e o Japão, mas foi graças a este trabalho que o petróleo descoberto nas bacias de Santos, de Campos e outras, pode ser considerado como brasileiro. Aos negociadores que o procuravam com argumentações banais, pouco consistentes sobre a questão das 200 milhas, ouviam dele a recomendação para que ocupassem seu tempo com argumentos menos primários. Apesar de ser reconhecidamente um grande negociador, aplicava quando cabível a autoridade dos pernambucanos, desconcertando e desarmando inquisidores de menor conteúdo;
2.  Mudança do Ministério das Relações Exteriores para Brasília, consolidando ainda mais nossa Capital Federal. Isto obrigou a todas as embaixadas e representações estrangeiras a saírem do Rio para Brasília, hipótese esta que elas apresentavam resistência. Existia resistência até mesmo dentro do Itamaraty e para aqueles que o procuravam informando da impossibilidade de se fazer a mudança na data estipulada, ele respondia: "Se você não mudar dentro do prazo, os empacotadores levarão sua seção!" O prazo foi cumprido.
3.  Independência de nossa política externa que era alinhada aos interesses de Portugal e dos Estados Unidos, voltando-se para os países africanos, sul-americanos e árabes. O Brasil então começou a ser visto como uma liderança no Terceiro Mundo. Foi o mentor da política da "Diplomacia do Interesse Nacional", conhecida também como "Brasil Potência", que rejeitava "tanto os alinhamentos automáticos, quanto o multi-lateralismo reinvindicatório ao estilo do movimento dos países não alinhados dos anos 1960";
4. Em 1966 ao assumir a Embaixada Brasileira no Paraguai, Mário foi recebido com hostilidade pois as relações entre os dois países estavam estremecidas devido ao impasse sobre os limites das Cataratas de Sete Quedas. Hábil negociador, dois meses depois assinou a Ata do Iguaçu na qual o Paraguai reconhecia a propriedade brasileira sobre as Sete Quedas mas em compensação ficava definido que os dois países poderiam aproveitar igualitariamente os recursos hídricos do Rio Paraná para geração de energia. Foi o principal passo para a criação da Itaipu Binacional. Além de resolver o problema energético indispensável para o crescimento do Brasil, solucionou uma pendência de séculos com o nosso vizinho sobre uma área de fronteira. A solução de Sete Quedas - com a criação da futura Usina de Itaipu, azedou então a relação com os argentinos que alegavam que teriam uma série de prejuízos com o represamento do Rio Paraná. Novamente Mário consegue superar o impasse e chegou a um acordo negociando com o chanceler argentino Eduardo MacLoughlin, em Nova Iorque. Por mérito, é considerado como o "Pai de Itaipu";
5.  No plano militar internacional, manteve-se contrário à adesão do Brasil ao tratado de não-proliferação nuclear, incentivando a qualificação tecnológica e construção de uma indústria armamentista nacional. A especialista Cintia Vieira Souto, neste aspecto, classifica a gestão de Mário Gibson frente ao Ministério das Relações Exteriores como uma ruptura com as posições internacionais assumidas pelos governos militares anteriores;
6.  Ainda como Ministro das Relações Exteriores, realizou uma viagem à África visitando 09 países: Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Zaire, Gabão, Camarões, Nigéria e Senegal. Foi o chamado "périplo africano". Com esta aproximação Mário buscava resultados tanto comerciais, quanto políticos. O Brasil vivia o chamado "milagre econômico" e o parque industrial brasileiro, em ascensão, necessitava de superavits comerciais, precisando expandir suas fronteiras. Além do que, o apoio de alguns países à ampliação de nossas milhas de mar territorial era de importância vital.  Foi a chamada "diplomacia do interesse nacional", na qual relegava ao segundo plano os interesses das outras nações as quais historicamente o Brasil estava atrelado, tais como Estados Unidos e Portugal, em privilégio dos interesses nacionais.

 O alinhamento político que o Brasil mantinha com Portugal até então, era mal visto e criticado pelos países africanos que chegaram ao ponto de incluir o Brasil numa
 "lista de países recomendados a sofrer sanções diplomáticas e econômicas devido ao apoio a Portugal e à África do Sul".  Este alinhamento também implicava em limitações à autonomia na condução diplomática brasileira, com o que Mário não concordava.

Como responsável pela
 "política africana" do governo Médici, mesmo enfrentando opositores dentro do próprio Governo contrários a esta nova postura do Brasil, Mário Gibson Barboza manteve conversações com Portugal em busca de saídas para a crise na África. Pregava a "descolonização pacífica" do continente. Em janeiro de 1973, alertou o representante da chancelaria portuguesa, Rui Patrício, para o fato de que alguns Chefes de Estado africanos estavam analisando uma intervenção armada em Angola caso Portugal não aceitasse negociar sua independência. E o recado foi seguido de uma ameaça: se a situação persistisse inalterada, o Brasil votaria contra Portugal na ONU. Mas infelizmente o Brasil não chegou a efetivar a ameaça feita ao chanceler português e nunca houve durante sua gestão como Ministro do Governo Médici, uma condenação formal brasileira ao colonialismo português. Venceram os opositores da "Politíca Africana" que tinham no Ministro Delfim Neto sua mais influente referência. Este apoio incondicional que o Brasil dava a Portugal comprometeu os resultados de sua política de aproximação com os africanos, mas não a anulou. 

Como Secretário Geral do Itamaraty, Mário teve ainda influência decisiva na solução pacífica do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick por revolucionários brasileiros, fato que contrariou a opinião de alguns setores reacionários que desejavam aproveitar-se de um possível desfecho infeliz do caso para ainda mais, radicalizar a questão política do Brasil.

Sua participação também foi decisiva para o desfecho feliz no caso do sequestro de nosso cônsul no Paraguai. Como ministro na época, não só conduziu o caso habilmente do ponto de vista político e diplomático, como também na arrecadação de 1 milhão de dólares (parece que posteriormente os sequestradores reduziram este valor), destinado ao pagamento do resgate exigido pelos Tupamaros pela liberdade do cônsul brasileiro em Montevidéu - Aloysio Dias Gomide, que tinha sido sequestrado por este grupo, em 31 de julho de 1970. Um agente americano, Dan Mitrione, também sequestrado nesta mesma operação foi "justiçado" por eles. O Governo brasileiro de então (Garrastazu Medici) e o Governo uruguaio (Pacheco Areco) recusaram-se a negociar com estes guerrilheiros e a solução encontrada pelo Mário foi "extra oficial", "independente". O valor do resgate foi negociado e conseguido aparentemente através de uma ampla campanha desenvolvida no Brasil, capitaneada pela esposa do Gomide e desenvolvida junto ao povo, com o objetivo de angariar fundos.
O apresentador Chacrinha - amigo de juventude do Mário, teve papel decisivo na criação do clima de "comoção popular" - necessário, como também na arrecadação deste numerário. O primo Marcílio Gibson, dono da TABA (Transportes Aéreos da Bacia Amazônica), atendendo a apelo do Mário não só contribuiu com a campanha como também sensibilizou outros empresários amigos. O Governo Militar Brasileiro e o Governo Paraguaio, pressionados pelo "clamor popular" decorrente da campanha, além de fazerem "vistas grossas" à arrecadação, permitiram a remessa do dinheiro para o Uruguai. Mário nunca deu crédito a si mesmo por esse resultado e sempre falava que este sucesso tinha sido conseguido pela esposa do cônsul Gomide.

Anos depois, estive com Aloysio Gomide em Miami - Flórida, onde ele era nosso Cônsul e ele me confessou a gratidão que tinha ao Mário pelo desfecho do caso. Fez questão de me demonstrar que Mário tinha sido o grande articulador da questão.

Ao deixar o Ministério, depois de ter sido Ministro das Relações exteriores de 29 de outubro a 14 de março de 1974, ainda vigorando o Governo Militar, Mário pleiteou o cargo de Governador de Pernambuco (que na época era preenchido por indicação), mas sofreu forte resistência não só dos caciques políticos de Pernambuco da época, que alegavam que o mesmo estava ausente de Pernambuco há muitos anos e que assim desconhecia a realidade do Estado, como também dos próprios militares que o consideravam como de esquerda. Na época os governadores eram nomeados e Mário perdeu a indicação para Eraldo Gueiros.

Se muitos militares apenas o toleravam por classifica-lo de esquerdista, aqueles que sucederam o Governo Militar, revanchistas, o viam como um ex-ministro de Médici, e o taxavam de reacionário. Sem dúvida, isto é o que caracteriza o bom senso, o equilíbrio.

Inegavelmente Mário foi, antes de tudo, um nacionalista.

Em 1989, já aposentado do Itamarati, assumiu a presidência da Companhia de Hotéis Palace, proprietária do Copacabana Palace. 

É o patrono da cadeira de numero 50 da Associação Brasileira de Diplomatas (ABD). 

Avalizado pelo seu livro
 “Na Diplomacia, o traço todo da vida”, disputou a vaga de imortal na Academia Brasileira de Letras deixada por Roberto Campos mas antevendo uma derrota para Paulo Coelho, retirou seu nome. Paulo Coelho assumiu a vaga e posteriormente numa clara manifestação de desdém pela Academia, nunca compareceu a nenhuma de suas sessões.

Todos os que os conheceram, citavam como sendo suas características: carismático, inteligente, aristocrático e simples. Informo outra: extremamente católico. Quando ia a Recife, fazia questão de assistir as missas de domingo no Mosteiro de São Bento em Olinda.

Gustavo Gibson



Mario Gibson Barboza com Benin, Rei de Abomei
MGB com o presidente do Senegal, Leopold Senghor


Mário sendo recebido por parentes em Recife na casa de Newton Gibson

Esta é a edição 212 da revista Veja, de 27 de setembro de 1972, que traz uma boa matéria sobre Mário e que está disponível no site:  veja.abril.com.br



Caso você queira contribuir com nosso trabalho, com outras informações, fotos ou documentos que possam enriquecer esta postagem, pedimos que entre em contato com gustavogibson@gmail.com  Todos agradecemos

Thomé Gibson

Thomé Joaquim de Barros Gibson nasceu em 03 de junho de 1872 e faleceu em 10 de julho de 1928 aos 56 anos de idade no auge de suas atividades intelectuais. Foi filho de Alfred & Francisca Adelaide do Rêgo Barros Gibson.  Recebeu o nome de batismo em homenagem ao seu avô materno - Thomé Joaquim do Rêgo Barros.

Um fato curioso é que o nome Rego Barros não foi repassado como deveria ter sido, aos filhos do casal Alfred e Francisca Adelaide.  Nenhum deles recebeu o Rêgo, apenas o Barros.

Bacharel em Direito, professor da Faculdade de Engenharia e Senador Estadual  (cargo hoje equivalente ao de deputado estadual) , Thomé dedicou sua vida principalmente ao jornalismo e não se pode falar nele sem associá-lo ao Jornal Pequeno, vespertino recifense de prestígio nacional na época, do qual foi proprietário e diretor.

A primeira referência que temos de Thomé na mídia é como acadêmico de Direito. Quando noticiado em Recife que a construção do Porto iria finalmente começar, a cidade inteira se manifesta e festeja. O livro ARRUAR, de Mário Sette, comenta o fato e cita Thomé Gibson na pagina 77: 

            - "E lá apontavam as passeatas. Uma banda estourava num dobrado. Estandarte da Faculdade de Direito. Leva-o o acadêmico Pereira da Costa. São os estudantes. Fala o velho João Teixeira. Oram também Franklin Seve. Isaac Cerquinho. Da Costa e Silva, Osvaldo Machado, Ulisses Costa, Tomé Gibson".

 Ainda no livro ARRUAR, ele novamente cita Thomé na pagina 342, agora como jornalista, ao comentar os pontos de encontro dos intelectuais pernambucanos da época:

            - "Outro ponto de encontro dos jornalistas era a chapelaria dos dois irmãos Melo, junto à casa do Krause; nela era habitual Baltazar Pereira, o temível polemista, em prosa e verso,da antiga fôlha de José Maria. Outras figuras de projeção na vida cultural da cidade, mormente professores da Academia, ali se mostravam. O Dr. Adolfo Cirne, com escritório no 1o. andar, seria dos mais assíduos, vendo-se igualmente Gervásio Fioravanti, o poeta dos Meses, Albino Meira, Neto Campelo (um dos diretores do Correio do Recife), Tomé Gibson, do Jornal Pequeno, Manuel Caetano, de A Província."

Retomando a linha do tempo, vemos que na edição de 01 de maio de 1891 o Jornal do Recife noticia o nome dos novos sócios que foram aceitos no Club Republicano Martins Junior.  Entre eles o de Thomé que na época contava com 19 anos. Uma semana depois, o Club delibera redigir um manifesto à nação, de apoio a oposição e Thomé foi indicado para compor a comissão que o redigiria. O mesmo jornal publica 10 dias depois o manifesto, assinado pela Comissão, estando aposta em primeiro lugar a assinatura do Thomé.  Foi este o primeiro ato público de repercussão protagonizado por Thomé que temos conhecimento.

Ainda neste mesmo ano  vemos Thomé fazendo parte da União Cívica de Pernambuco e frequentemente sendo indicado para como orador, fazer saudações a personalidades da época e se manifestar em eventos políticos em nome da União. Começa a se firmar como um grande tribuno.

Intensa atividade social, intelectual e política foram a marca registrada de Thomé Gibson em toda sua vida. Destemido, corajoso, colecionou desafetos por causa de suas opiniões com a mesma velocidade que conquistava amigos.

Em setembro de 1891 começam a aparecer no Jornal do Recife, poesias de autoria de Thomé. Todas líricas. O primeiro trabalho publicado foi o soneto intitulado Princeza.

PRINCEZA

Eis-me aqui reverente a contemplar, Princeza
A palpitante flor de teu pequeno seio,
Onde à sombra da pelle angelical eu leio
O fino rosicler do sangue da nobreza.

Quero na suavidez dulcifica da calma
Na convulsão do amor extraordinária e mansa
Entre os finos anneis da tua negra trança
Satisfeito engastar os sonhos de minh'alma.

Eu bem sei qu'és fidalga e grave;  mas um louco
Louco de uma afeição que mata pouco a pouco
Não merece desprezo, impetra compaixão.

Assim deixa beijar-te os pés por caridade
E poderás então na fúria da vaidade
Esmagar-me depois, Princeza, o coração!...

                                                            Thomé Gibson


ENTENDENDO  1891

Foi neste ano que Thomé com apenas 19 anos de idade, já acadêmico de Direito, desponta como homem público na cidade do Recife. Surgia então um político apaixonado, corajoso e capaz de convencer as massas com as suas palavras. Um líder.

Conhecer os fatos acontecidos no Brasil em 1981 faz-se necessário para entendermos o Thomé.

Na noite de 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República e constituído um Governo Provisório, tendo como chefe o marechal Deodoro da Fonseca, com poderes ditatoriais

A República foi aceita de imediato e instalada em toda a Nação sem lutas, exceto no Maranhão onde antigos escravos tentaram esboçar uma reação, correndo às ruas da capital com a bandeira do Império e dando vivas à Princesa Isabel. Foram dispersos com o saldo de três mortos e alguns feridos.

As províncias do extinto Império Brasileiro foram então transformadas em Estados Federados, com Governadores administrando-as, que foram eleitos no dia 15 de setembro.

Uma Assembleia  Nacional Constituinte foi convocada e a recém proclamada República consegue promulgar sua Primeira Constituição em 24 de fevereiro de 1891.

Porém em 03 de novembro de 1891, o Marechal Deodoro deu um golpe de Estado decretando a dissolução do Congresso e a instalação do estado de sítio no Brasil.

Alguns dias depois porém, pressionado por opositores liderados por Floriano Peixoto que tinha sido eleito vice presidente em 1890, Deodoro renuncia.

O então governador de Pernambuco era José Antonio Correia da Silva que tinha apoiado Deodoro em todos seus atos ditatoriais e por isso os republicanos pernambucanos - constitucionalistas, desejavam sua deposição. José Antonio cede às pressões e renuncia. Assume o cargo o vice governador Barão de Contendas.

Foi neste turbulento final de 1891, que desponta e consagra-se Thomé Gibson com 19 anos de idade, ainda acadêmico, como líder político.

VOLTANDO À MIDIA:

Em dezembro de 1891 o Jornal do Recife noticia que os Acadêmicos de Direito da Faculdade do Recife, em passeata, dirigiram-se a casa do Dr. Martins Junior para homenagea-lo, por conta de sua nomeação como Diretor da Faculdade de Direito.

Sobre o Thomé, informa o Jornal:  -  "Alli chegados, em nome dos manifestantes, usou da palavra o intelligente acadêmico Thomé Gibson, que proferio um brilhante discurso".

O Jornal do Recife em 17 de dezembro de 1891, noticia que os estudantes da Faculdade de Direito fundaram o Centro Político dos Acadêmicos do Recife e que Thomé tinha sido eleito seu presidente.

Em dezembro de 1891, tendo sido o Jornal do Recife (órgão republicano e constitucionalista que fazia oposição ao novo governador) ameaçado de ter sua tipografia quebrada por pessoas ligadas ao novo Governador - o Barão de Contendas, o Jornal solicita ao Comando Militar garantias de sua integridade. Então dirige-se ao Jornal do Recife o General Comandante do Segundo Distrito Militar, general Ouriques Jaques , que promete as garantias solicitadas.

Na noticia publicada em varias edições do Jornal sobre o episódio, vários parágrafos são dedicado ao Thomé:

 -  "De uma das janellas do referido prédio (prédio do Jornal do Recife que estava sendo guardado pelo povo e por lideranças políticas e intelectuais), fallou ao povo em nome da liberdade o cidadão Thomé Gibson, incitando aos sentimentos populares e convidando a população consciente a dirigir-se a Palácio afim de depor o Governo então vigente".

-   "....o jovem acadêmico de nossa faculdade, o inteligente e intemerato republicano Thomé Gibson".

-  "...Por essa ocasião foi dirigida ao povo a palavra por diversos cidadãos, entre os quaes o corajoso moço, estudante de nossa Faculdade, Thomé Gibson".

A população atende ao chamamento dos oradores e dirigi-se ao Palácio onde é atacada pela polícia do Governador, com ocorrência de mortes.

Baseado principalmente neste fato, o Gal. Ouriques Jaques convence o Barão de Contendas a renunciar e o presidente da Assembléia Estadual, José Maria Melo, assume provisoriamente o Governo de Pernambuco.

Mesmo depois deste evento, na edição de 16 de janeiro de 1892, o Jornal do Recife continua a se referir ao discurso pronunciado por Thomé naquela ocasião:  "Discurso - Temos à vista um exemplar do importante discurso, pronunciado, na noute de 18 do mez ultimo, da varanda da officina deste Jornal, pelo nosso collega Thomé Gibson, na ocasião em que incitava o povo para dirigir-se ao Campo da República, quando se tratava da deposição do nefasto governo, que dominou neste Estado até aquele dia................Esse discurso, que se acha prefaciado pelo também nosso collega Felicio Buarque, foi dedicado pelo seu jovem e esperançoso autor aos nossos amigos visconde de Campo Alegre, Drs. Martins Junior e Sigismundo Gonçalves e ao Club Republicano Martins Junior".

Analisando esta notícia, podemos imaginar:     1.  a repercussão e a importância que teve o discurso de Thomé (já que foi transformado em peça literária) naquele episódio da história de Pernambuco;    2.  Em 1892, vemos Thomé fazendo parte dos quadros do Jornal do Recife pois era por eles tratado como "nosso colega". Com certeza devido a seu comportamento no ano anterior.

Então, consolidado como uma jovem liderança política e como excelente, apaixonado e corajoso orador, reconhecido pelo povo pernambucano, Thomé passa a aparecer frequentemente nas páginas do Jornal do Recife destacando-se em eventos sociais, intelectuais e políticos desta época.

Um fato que nos chama atenção é que nunca se noticia a simples presença de um Thomé passivo em qualquer dos eventos.  Sempre ele está a representar uma organização política ou cultural, seja como orador ou erguendo brindes nos eventos sociais. E , antes de sua contratação pelo JR, quase sempre seu nome é precedido de um adjetivo, como:  inteligente (o mais recorrente), brilhante, corajoso ou talentoso.

Como dissemos, no início do ano de 1892 o Jornal do Recife passa a se dirigir ao Thomé como "nosso collega", o que nos faz pensar ter sido a partir de janeiro deste ano que Thomé ingressou no jornalismo. E também é a partir deste ano que surge a primeira das várias ameaças que Thomé enfrentou ao longo de sua vida, por consequência de suas opiniões.

Na edição do Jornal do Recife de  13 de Janeiro de 1892, temos uma nota sob o título em negrito: THOMÉ GIBSON - Chamamos a attenção do público para uma declaração que vai feita n'outra secção de nosso collega Thomé Gibson, victima das ameaças dos sicários".

Em outra edição o Jornal do Recife informa do meeting politico que teve lugar no Largo da Matriz de São José para comemorar o aniversário da morte de Frei Caneca. Na descrição do evento, o Jornal cita como um dos pontos máximos da reunião a presença de Thomé "quando appareceu à varanda de um sobrado fronteiro à referida matriz o orador official do meeting, o nosso talentoso companheiro Thomé Gibson, que em brilhante discurso occupou-se do assumpto da reunião".

E continua:  "Alli, do meio do povo e em nome deste, fallou Thomé Gibson, saudando a junta (governativa)..."

Em novembro de 1892, Thomé é designado pelos colegas acadêmicos para integrar a comissão responsável pelas cerimônias da colação de grau, que ocorrerá ainda naquele ano.

Em dezembro de 1892, Thomé publica o livro de poesias Camélias.

Em 01 de maio de 1984, o Jornal oferece um "Curso Livre de Direito Criminal, Civil e Comercial (segundo os programas da Faculdade de Direito do Recife) do Bacharel Thomé Gibson, no Escritório da redação do Jornal do Recife". Neste mesmo ano surge no Jornal anúncios do Thomé como advogado.

Em 04 de Janeiro de 1894 o Jornal do Recife informa que está mantendo na sua direção os srs. Alcedo Marrocos, Thomé Gibson e Carisio de Barros.

Em 15 de fevereiro de 1896, Thomé atendeu um convite para comparecer a Chefatura de Policia por conta de um artigo denominado Carnaval que teria sido publicado no JR onde se afirmava que "nas prisões correcionais há instrumentos aviltantes para castigar os que tem a infelicidade de cahir nas mãos da polícia". Indagado sobre quem seria o autor do artigo, Thomé se nega a prestar esta informação e diz que os redatores do Jornal são solidários em todas as matérias ali publicadas, assumindo-o. Mantém as acusações publicadas na qual o JR afirma que a Polícia pratica espancamentos em suas dependências. No dia 18 o JR confirma que todos os redatores são solidários com as matérias publicadas no JR e com as respostas dadas por Thomé na Chefatura.

Em 29 de janeiro de 1987, sob o título DESACATO, o JR informa que "na noute de ante-hontem, deu-se no (Teatro) Santa Izabel um grave desacato por parte da policia, ao nosso collega Dr. Thomé Gibson". Relata que durante a apresentação de uma opereta, a Gran-via, uma pessoa pediu ao Thome para, de seu camarote, oferecer flores a artista. "Fez-lhe ver o Dr. Gibson que o camarote da polícia, próximo ao seu, prestava-se melhor a isso". Os ocupantes se negaram e Thomé comentou com um amigo que se ali estivesse o Chefe de Polícia com certeza teria permitido, pois tratava-se de questão habitual no Teatro. Alguém transmitiu o comentário de Thomé ao delegado que negara o pedido e este "ergueu-se arrebatadamente, perturbando a representação,  perguntando quem fallara em imposição. Respondeu o nosso collega ter sido elle e o sr. Delegado gritou então para os praças que arrastassem do camarote aquelle canalha. O Dr. Thomé fez então ver ao tal delegado que não era nenhum desordeiro e não se curvaria à sua violência, não se retirando dalli. Foi então o camarote invadido por umas tantas praças com o sabre desembainhado  e pelos dous delegados Pinto e Meira, que a força o queriam prender, sendo, porém, desobedecidos pelos praças quando ensaiaram agarrar o moço jornalista, pelo que procurou agarral-o o delegado Meira".
Neste momento o tumulto já tinha se alastrado por todo o teatro de onde partiam protestos indignados ao comportamento da polícia "o que fez afrouxar a bravura da duas autoridades.
Vários cavalheiros, advogados, magistrados, comerciantes e jornalistas foram em auxílio ao nosso collega e, tendo as autoridades abrandado a fúria diante da attitude popular , induziram o Dr. Gibson a acompanhal-os para a platea e que nada mais fizeram as autoridades a não ser manter uma vinte praças às portas do camarote. O nosso collega que portou-se com toda a energia,  ficou no conflicto ferido em um braço".

O JR informa ainda que no dia seguinte, em companhia de representantes da A PROVÍNCIA, do DIÁRIO DE PERNAMBUCO e da GAZETA DA TARDE , "foram ao Palácio levar as queixas da imprensa".

Este incidente voltou a ser comentado em edições subsequentes sendo os policiais tratados como "dous delegadinhos desta capital"  e teve repercussão na imprensa do Rio, então Capital Federal.

No dia 16 de março de 1898, Thomé Gibson toma posse como lente substituto de Economia Política e Direito Administrativo da Escola de Engenharia.  Alegando falta de capacidade para o cargo, houve reação por parte de um grupo de alunos à nomeação de Thomé, com publicações de notas e manifestos em outros jornais da cidade, com vaias, desacatos e ameaças quando Thomé se apresentava na Escola. Instaurada uma sindicância, a Congregação de Lentes da Escola suspendeu este grupo de alunos por três meses.

Em editorial no dia 27 de abril de 1898, criticando a punição imposta aos alunos por considera-la branda, o JR afirma: "Quando mesmo o Dr. Thomé Gibson não estivesse na altura de reger com proficiência a cadeira que lhe fora designada pelo Governo do Estado, o que é uma clamorosa injustiça, não são de certo aquelles moços os habilitados para julgal-o e condemnal-o".
O fato é que Thomé parece nunca ter se empolgado com a Faculdade mesmo tendo permanecido como seu professor até a aposentadoria e por diversas vezes, recebeu críticas por parte de seus adversários políticos pela falta de comprometimento com o cargo.

No 12 de fevereiro de 1899, em editorial com o título THOMÉ GIBSON: "O nosso honrado companheiro de trabalho, que durante sete annos illustrou as nossa colunas edictoriaes, deu-nos hontem profundo golpe, despedindo-se da redacção do Jornal do Recife, por ter necessidade de applicar-se mais aos seus affazeres de advogado e de lente da cadeira de Sciencia Social da Escola de Engenharia. 

A resolução do Dr. Thomé Gibson nos penalizou em extremo porque o Jornal do Recife não podia ter melhor amigo entre seus redactores, conhecendo o público bastante, para que nos dispensemos de proclamal-os aqui, a sua competência e lealdade nas lides da imprensa.
Dando ao Dr. Thomé Gibson público testemunho do nosso reconhecimento dos longos e profícuos serviços que lhe devem o Jornal do Recife, asseguramos-lhe que entre nós será sempre considerado dos nossos, como por nossa vez o consideramos sempre como um dos nossos melhores amigos".

Em 13 de fevereiro de 1899, Thomé endereça carta ao Jornal que é publicada no dia seguinte, na qual desmente especulações que sua saida do Jornal do Recife tenha sido por discordância ou desavença  e afirma da admiração que tem "ao Dr. Sigismundo Gonçalves, proprietário e diretor mental do Jornal do Recife", reforçando que sua saida deveu-se a necessidade de aplicar-se a outros afazeres.

Em edições subsequentes do Jornal do Recife ainda vemos nos classificados anúncios de Thomé como advogado, agora estabelecido à rua do Imperador, 45 e não mais atendendo na sala de redação do JR.   Várias notas de caráter social citam Thomé, cujo nome vem novamente precedido de adjetivos, tais como inteligente, ilustre ou simpático.

Em 01 de abril de 1900, A PROVÍNCIA noticia a saida do dr. Herculano de Souza da redação do Jornal Pequeno e comunica "a entrada para sua redacção e empreza dos talentosos e infatigáveis jornalista dr. Thomé Gibson e Domingos Magarinos".

Era o que faltava para que o clima amistoso e respeitoso entre Thomé e seu ex patrão acabasse e em 17 de fevereiro de 1900 o Jornal do Recife em editorial, ataca seu ex redator Hercílio de Souza. Critica também a saída dos Drs. Marrocos (que dois anos antes alegou não poder continuar num jornal republicano, sendo ele monarquista) e de Thomé (que justificou necessitar de mais tempo para outros afazeres).

Já havia um descontentamento destes redatores pelas posições políticas assumidas pelo Jornal do Recife por imposição de seu proprietário Sigismundo Gonçalves - ex-governador de Pernambuco, e parece que o fato que culminou a saída destes três redatores do JR foi o episódio no qual a GAZETA DA TARDE foi depredada e o seu diretor preso. Além do fato de que o Jornal do Recife foi conivente (ou complacente) ao silenciar sobre o acontecimento, agravou a questão de que a GAZETA DA TARDE teria sido depredada pelo grupo político de Sigismundo Gonçalves, proprietária do Jornal do Recife.

Na primeira página do Jornal do Recife de 20 de fevereiro de 1900, em extenso editorial sob o título PROVA IRRECUSÁVEL DA FALSIDADE DOS DRS. MARROCOS, HERSILIO E THOMÉ as criticas se transformam em forte ataque pessoal aos seus ex redatores. 

Em relação ao Thomé, o Dr. Sigismundo fala que deu-lhe tudo, exceto a vida.  

Quando Thomé torna público que assumiu não só a redação, como também a propriedade do Jornal Pequeno, os ataques do JR tornam-se cada vez mais intensos, raivosos e pessoais. Thomé passa então a ser o inimigo no. 1 do Jornal do Recife. 

O JR fala então em um longo editorial com o título NOBREZA D'ALMA "que a única cousa de que Thomé tira meios honestos de vida, é o lugar de lente substituto da Escola de Engenharia" e que seu pai (Alfred Gibson) teria sido promovido para um cargo melhor na Recebedoria Estadual depois de insistentes pedidos.  Relata também favores pessoais feitos a Hersilio de Souza.

Textualmente o JR fala:  "Foi o Dr. Sigismundo Gonçalves quem obteve estes favores".

Esse editorial foi repetido em diversas edições do Jornal do Recife.

THOME GIBSON responde a Sigismundo Gonçalves através do jornal  A PROVINCIA em edição de 18 de fevereiro de 1900, na pagina 38, coluna “Publicações Solicitadas”

            “Não é sem grande sacrifício que venho dar uma resposta a quem, não há muito tempo, tecia-me extraordinários elogios e sacode-me hoje os mais baixos insultos. A pedra que rolou hontem da coluna principal do Jornal do Recife, atirada pelo Dr. Sigismundo Gonçalves, cahio-me aos pés e, abaixando-me, arremesso-a agora ao ponto de partida.

                Conforme as declarações que fui forçado a fazer ao Dr. Alcedo Marrocos, publicadas na distinta folha que este meu distincto amigo e collega redige, absolutamente não viria eu à imprensa fazer um ligeiro estudo psychologico do Dr. Sigismundo, não fosse a isso arrastado pelas offensas grosseiras com que insultou-me em artigo de fundo do seu jornal, na mesma columna em que, a 12 de fevereiro de 1899, dando noticia de minha despedida do corpo redaccional, publicou, entre outros, os seguintes períodos:

“A resolução do Dr. Thome Gibson nos penalisou em extremo porque o Jornal do Recife não podia ter melhor amigo entre os seus redactores, conhecendo o público bastante, para que nos dispensemos de proclamal-as aqui, a sua competencia e lealdade nas lides da imprensa”.

“Dando ao dr. Thomé Gibson publico testemunho do nosso reconhecimento pelos longos e profícuos serviços que lhe deve o Jornal do Recife, asseguramos-lhe que entre nós será considerado dos nossos como por nossa vez o considerarem sempre como um dos nossos melhores amigos”.

                Bastaria isto para vingar-me das injurias de hoje, se não devesse levar ao fim o desabafo fortíssimo de minhas queixas.

                Jamais disse a alguém que discordância com a orientação dada ao Jornal pelo seu director espiritual fora o motivo de despedir-me da redacção da referida folha.

                Cheguei mesmo a publicar uma declaração neste sentido dando sciencia a todos de que, retirando-me do Jornal do Recife, conservava o mesmo respeito que tivera até então para com o dr. Sigismundo e que estava no propósito de aproveitar, com grande amor, as licções de moral e virtudes cívicas que este cidadão soube dar-me pelo exemplo de sua vida pública, no período em que commigo trabalhara nas lides da imprensa e nos combates da política.

                Mezes depois do fallecimento de meu respeitável amigo, o distincto pernambucano conselheiro Luiz Felippe de Souza Leão, seu sogro, o dr. Sigismundo principiou a decahir no conceito publico, prestando-se a tudo nas mãos dos políticos dominantes, mãos mordidas por s. exc. em epocha que não ia longe.

                Por diversas vezes depois de desligado da redacção do Jornal, eu fallei ao dr. Sigismundo sobre a posição falsa e condemnada em que s. exc. se encontrava. Disse em muitas palestras com s. exc. que effectivamente reprovava certas criticas que eram feitas ao conselheiro Rosa e Silva pela opposição apaixonada, mas que o meu então amigo, sob um ponto de vista, era accusado com rasão pelos seus adversários, porque não tinha o direito de abandonar os companheiros leaes pelos indivíduos que s. exc. classificára, uns publica, outros particularmente, com os adjetivos os mais desprezíveis.

                No seu artigo insolente allegou o dr. Sigismundo que me fizera favores, isto é, dera-me o único meio de vida decente de que hoje vivo (a cadeira de lente da Escola Maciel Pinheiro) e que eu pelo facto de acudir a um appello do dr. Marrocos para relatar uma verdade, devia, se tivesse dignidade, pedir a minha demissão, como se o funcionalismo publico fosse uma propriedade de s. exc. Pobreza de espírito!

                Se o dr. Sigismundo alcançou do conselheiro Correa de Araujo a minha nomeação para lente da Escola Maciel Pinheiro, também eu atravessei sete anos de serviços mal remunerados no Jornal do Recife sacrificando a minha saúde e a minha principiada carreira de político republicano histórico. A amizade sem limites que eu devotava a s. exc. chegava a provocar insultos a minha pessoa, dirigidos pela gente do governo, n’aquella epocha inimigo rancoroso do Jornal. Toda a minha familia mantinha relações de sympathia com o dr. Barbosa Lima e eu tornara-me adversário d’este para manter toda a lealdade com a direcção do Jornal do Recife.

                Acção desse valor talvez não fosse o dr. Sigismundo capaz de praticar, mesmo no tempo em que s. exc. era tido por mim como um homem correcto.

                Não censuro a vida publica do dr. Sigismundo até poucos mezes depois do fallecimento do seu sogro; accuso a sua queda moral desde que s. exc. entregou-se de corpo e de alma á politicagem.

                Ao celebre auctor do Tartarin de Tarascon peço emprestada uma opinião que muito me auxilia no exame que ora faço do caracter do meu aggressor: “Sinto-me impressionado de ver a transformação de certos entes, as modificações que a vida lhes imprime pelos contactos diversos, pela bôa ou má sorte. Este que sempre julguei direito apparece-me intimamente pérfido; a avareza monstruosa d’aquelle apparece-me de súbito. Serei eu quem mudou? Será a amizade bruscamente finda que me descerrou os olhos? Não; tudo acaba e tudo se transforma.”

                Disse no seu artigo de hontem o Jornal do Recife pela penna do dr. Sigismundo que eu provocava asco e repugnância quando entrava em seu escriptorio; disse ainda que eu não tinha a coragem e a altivez da dignidade para renunciar aos favores que recebi; disse mais que eu havia sido enxotado do Jornal.

                Eu deixei de frequentar o Jornal do Recife desde o dia em que um títere que alli figura como redactor atirou á minha presença, contra o meu amigo o Sr. Delmiro Gouveia, injurias que repelli no momento com a energia que me caracterisa.

                O favor que o dr. Sigismundo pretende que eu renuncie é a minha cadeira de lente. Não devo fazel-o porque os vencimentos que della recebo não sahem dos bolsos de s. exc. e sim do erário publico, que também sustenta com gordas cifras o aposentado desembargador que actualmente nos governa.

                Em questão de coragem e altivez de dignidade s. exc. está em posição abaixo d’aquella em que tenho sabido me manter. Tenho 27 anos de idade; não sou fidalgo; não sou rico; preciso trabalhar para viver e garantir um futuro compensador á minha velhice, porem jamais aceitarei uma posição commoda com quebra dos sentimentos que dão força ao meu coração de moço e que não podem ser comprehendidos por uma alma de bilioso irritado. D’isto tem s. exc. a certeza porque se eu dobrasse a minha espinha dorsal, gymnastica que eu não aprendi com s. exc., eu estaria nas suas graças, aquinhoado em alta escala pelo thesouro do estado e ocupando no seu partido posição que s. exc. suppõe invejável.

                Dignidade!...

                E a tem o homem que pela imprensa disse que o dr. Teixeira de Sá era a ultima besta que enxotava do seu cercado, e hoje, penitenciando-se, lambe-lhe as mãos porque elle é um dos que se salientam na amizade do dr. Rosa e Silva?

                E a tem o individuo que para ser agradável a outrem tornou-se inimigo do dr. André Cavalcanti e ultimamente pede a terceiros para serem intermediários de pazes e isto porque o dr. André Cavalcanti é ministro do supremo tribulal, goza de prestigio e póde servir-lhe de empenho? 

                E a tem o proprietário de uma folha que aproveita-se da posição de governador para augmentar os seus próprios rendimentos ou para ressarcir prejuízos,

                E a tem o jornalista que, tendo apontado ao publico uma auctoridade policial como incapaz do cargo, vem mais tarde, quando assume a curul governamental, nomeal-a escrivão de orphãos movido por imposição do dr. Antonio Pedro, a quem considerava sujeito sem valor, presumpçoso, tolo e a quem hoje vive a engrossar?       

                E a tem o governador que capitula nomeando delegado o redactor de uma folha que o insultára e isso pela ordem recebida do dr. José Marcellino, hontem por s. exc. qualificado de typo nullo?

                E a tem a creatura que sem motivo algum, sómente para satisfazer uma espécie de necessidade physiologica atira-se grosseiramente, insultuosamente contra os que estiveram ao seu lado nos momentos de crise e de desconforto?

                E a tem o dono de um jornal que levanta a clava da diffamação contra aquelles que, como os drs. Alcedo Marrocos e Hercilio de Souza, garantiram pelo trabalho, pela actividade e pela intelligencia, o valor de sua folha, e que, diga-se a verdade, foram os elementos que deram-lhe nome e importância na política do governo?

                E a tem o declarado socialista que tira grandes proventos da sua typographia, uma das gastréis do nosso thezouro, e é mesquinho na paga de seus empregados?

                E a tem o chefe do governo que, sendo-lhe negado dinheiro pelas casas bancárias de nossa praça, responde aos banqueiros que a policia conhece o logar onde está guardado o dinheiro e saberá no momento preciso buscal-o?

                E a tem o governador que conserva-se no cargo, desprezado pelas classes conservadoras do estado?

                Não e não; porque quem pratica actos desta ordem é que produz asco e repugnância.

                E basta. O dr. Sigismundo, como o seu physico demonstra, já sente o pêso das suas villanias.

Thomé Gibson


Mas os ataques continuam sendo dirigidos a Thomé pelo Jornal do Recife e em 21 de fevereiro de 1900, Thomé fala novamente na coluna Publicações Solicitadas do jornal  A PROVINCIA sobre a contínua agressão que vem sendo dirigida a ele, através do Jornal do Recife, de propriedade de Sigismundo Gonçalves, então governador de Pernambuco:

                - "Pel'A PROVINCIA de domingo ultimo, fiz o desabafo das minhas queixas contra o dr. Sigismundo que injustamente, sem que eu o houvesse ofendido, insultara-me como jamais se insultara alguém.

                Quem quer que tenha um espirito educado na escola do verdadeiro sentimento humano, e um coração livre da bilis que tanto influe sobre o desespero das paixões, absolutamente não escarrará sobre um homem, do modo porqu8e os malvados lançam-se sobre os cães leprosos.

                O soffrimento causado pela offensa que recebi, não foi menor que a dor experimentada pela obrigação em que me achei  de desrespeitar as tradições da amisade que illudio-me.

                Eu fui atacado barbaramente. Foi pela columna principal da folha do dr. Sigismundo apontado à sociedade como um espião, um indigno, um indivíduo que desperta asco e repugnância. Qual, pergunto eu, apelando para a consciencia do dr. Sigismundo, seria a resposta que s. exa. daria a quem o offendesse e gratuitamente, da forma por que fui eu offendido?

                Hontem o Jornal do Recife voltou a carga de insultos e chegou a calumnia. Encontra-me com a calma necessaria para devolvel-os ao ponto de onde partiram, sem retaliações.

                Devo porem protestar contra a mentira de que eu tenha feito propaganda contra o Jornal e de que há muito detratava o dr. Sigismundo.

                O meu amor proprio, o meu nome, a minha honra impuzeram-me responder ao dr. Sigismundo da forma porque o fiz, na secção de solicitadas desta folha em que deixo impressas hoje estas linhas.

                E tenho cumprido com o meu dever, fazendo silencio depois de dizer no Jornal do Recife que nas suas columnas, onde a injúria tem agora um pedestal, é uma profanação lembrar-se de uma creatura que no intimo de minha alma representa a mesma grandeza que para os fieis impõe a hostia consagrada do Christo no soberbo sacrificio do altar; d'essa creatura que em vida foi o exemplo da piedade e do amor.

                Thomé Gibson"


A partir deste momento, todos os desafetos de Thomé encontram no Jornal do Recife palco certo para suas ofensas, que deturpa todas as notícias públicas envolvendo Thomé. Pequenas querelas passam a ter gigantescas proporções nas páginas do JR. Antes citado como inteligente, dinâmico, corajoso... Thomé passa a ser muitas vezes citado como "o jornalista dos 30 contos" ou "o mestre engenheiro em eternas férias".

Já o jornal A PROVINCIA, passa a ser seu principal aliado, defendendo-o e também ao JORNAL PEQUENO e criticando duramente o Jornal do Recife. Por diversas vezes  A PROVINCIA publica em suas paginas os editoriais e os manifestos políticos do Jornal Pequeno.

Explica-se: os jornais pertenciam a grupos políticos opositores, ambos interessados no Thomé. O Jornal do Recife (Rosista, do grupo do Conselheiro Rosa e Silva) ocupava o poder e A PROVÍNCIA representava a oposição, com o qual Thomé se identificava na época.

DESAVENÇA COM OS DONOS DE JOGOS DE AZAR

A PROVINCIA de 26 de setembro de 1900, coluna com o título CARTAS FLUMNENSES:

                -"Hontem a tarde, na porta do estabelecimento commercial dos respeitaveis srs Machado & Pereira, à rua Quinze de Novembro, o nosso ilustre e prezado collega do Jornal Pequeno dr. Thome Gibson foi agredido pelo dr. Liberato de Mattos que, segundo ouvimos affirmar,tentou feril-o com um punhal, não o tendo feito devido a intervenção de terceiros.

                Informam-nos que o dr. Thomé Gibson se achava desarmado.

                Foi motivo, ou antes, o dr. Liberato de Mattos alegou como sendo causa da aggressão uma local daquella apreciavel folha vespertina a respeito da casa de jogos que ninguém nesta cidade ignora existir junto a a secretaria de policia.

                A local referida absolutamente não citou nome de pessoa alguma nem fez allusão que alguem podesse suppôr dirigida ao dr. Liberato de Mattos.

                A investida deste, portanto, gratuita e injustificavel, peior ainda: somente explicavel se partisse de um capanga ou de um desordeiro vulgar - foi odiosissima e desperttou extranheza e revolta geraes.

                Contra ella significamos aqui o nosso protesto, devendo declarar que entendemos não ter sido o distincto jornalista quem o desagradavel  incindente deixou em peior situação."

Em 27 de setembro de 1900, na coluna com o título TORPE E DEGRADANTE, A PROVINCIA continua a comentar o caso:

                - "A aggressão que ante-hontem soffreu o nosso distincto collega do Jornal Pequeno dr. Thomé Gibson seria acceita como um insulto atirado a toda a imprensa pernambucana se a nossa imprensa não estivesse dividida por misérias partidárias ou fosse capaz de esquecer a baixeza de seus ódios.

                Não se trata de um artigo infamante, escripto em linguagem desenvolta e grosseira, commum nas discussões de toda a especie que se tratam nos jornaes: o nosso estimavel confrade não mentiu para magoar pessoa alguma, não deu curso a calumnias e limitou-se a dizer que a polícia tinha olhos de Argus na perseguição dos jogadores de vinténs e não enxergava o escandalo nas visinhanças de seu proprio domicilio.

                Se as criticas justas offendessem e não corrigissem abusos, a punição da offensa pertenceria ao dr. Gonçalves Mello ou aos seus agentes e não aos que escarnecem dos meios legaes da polícia para vender-lhes as manhas.

                O Jornal Pequeno não censurou os frequentadores do palacete da rua da Aurora, censurou o dr. Gonçalves Mello, na defeza dos humildes, dos que não dispõem de relações de amisade ou de parentesco para  a expansão dos seus vicios.

                Não vivemos aqui a pregar moralidade, porque a pregariamos em um deserto, nem nos arvoramos em fiscaes do dinheiro dos outros, porque joga quem pode ou quem se deixa arrastar pela ancia de tornar-se opulento da noute para o dia, apenas com o sacrificio de algumas horas de socego e sem o menor trabalho.

                Mereceriamos reparos se, por hypothese, erguessemos a delenda das nossas invectivas diante dos jogos dos bichos e calassemos as nossas apostrophes de indignação diante do panno verde dos clubs e cassinos.

                Não distinguimos jogo de jogo; não pretendemos endireitar o mundo e somos os primeiros a reconhecer que dentro da lei a policia não canta victorias.

                Quem alinhava estas phrases gritaria com desassombro sem que o acoimassem de frei Thomaz e no entanto não grita...

                O seu tempo é muito precioso e não quer perdel-o em sermões inuteis...

                O Jornal Pequeno não conteve os impetos de sua coherencia e todos os jornaes de Pernambuco foram injuriados na pessoa do dr. Thomé Gibson.

                Admitindo o caso de que a audacia encontre seguidores, todos nós estamos impedidos da critica de actos reprovaveis ou da denuncia de crimes, impedidos ou dispostos a scenas de pugilato ou a duellos nas ruas...

                Achariamos isto vergonhoso se não nos parecesse torpe e degradante".



A PROVINCIA de 03 de janeiro de 1901 - coluna PUBLICAÇÕES SOLICITADAS sob o título A VERDADE

                 - " Sinto-me na na obrigação de trazer ao conhecimento do público a verdade da conferência que, com o dr. chefe de polícia, a seu pedido, tive no dia de ante-hontem.

                A vilania do Jornal do Recife deturpou, em períodos interlinhados, n'uma das gazetilhas de ontem, a realidade do facto pretendendo em phrases insediosas, amesquinhar a minha probidade, o meu carater e o meu criterio de jornalista.
                Esmago com o tacão do botim a língua da víbora.
                É mentirosa a notícia que eu promettera modificar a linguagem do Jornal Pequeno.
                Conheça o público o que se passou:
                Pelas 10 e meia horas da manhã de terça feira....."

A PROVINCIA de 04 de janeiro de 1902 - na coluna CARTAS FLUMINENSES, em relação a desavenças que estariam ocorrendo entre a polícia e o exército, na cidade do Recife, inclusive com a ocorrência de óbitos, faz criticas ao chefe de polícia dr. Gonçalves Mello, que parece ter intimado Thomé a comparecer a chefatura de policia e "lá ao dizer-lhe que não fizesse commentários acerca das luctas entre a polícia e as tropas do exército, encareceu a gravidade da situação, receioso de maiores embaraços".  Critica também o Jornal do Recife: "um dos porta vozes da política dominante, assevera que o chefe de policia não pediu favores ao dr. Thomé Gibson: s. s. - affirma quem sabe, intimou o nosso collega a modificar a linguagem do Jornal Pequeno, como se nós vivessemos aqui sob o despotismo da Turquia..."
                Já em relação ao comportamento do exército, tece elogios: "Procedeu de outro modo o illustre sr. coronel Nery incumbindo um de seus ajudantes de ordens de solicitar o auxílio de todos os jornaes no apaziguamento de odios exaltados...."

Ainda sobre este encontro de Thomé com o chefe de policia que o ameaçava de enquadramento na Lei no. 140, o Jornal A EPOCHA de Lisboa em 27 de setembro de 1902, censurou o fato de que o governo "aborrecido pelas criticas sofridas pelo Jornal Pequeno e pela Folha do Povo, teria puxado e posto a ferros o Thomé".
 A PROVÍNCIA desmente este fato na edição de 11 de outubro de 1902 citando o jornal português e informa que Thomé sofreu apenas "o incomodo de um convite afim de comparecer a chefia de policia".

Este chamamento foi a princípio repudiado por Thomé mas posteriormente aconselhado pelos jornalistas da A PROVINCIA Balthazar Pereira e Manoel Caetano, resolveu atender a intimação policial e estes jornalistas fizeram questão de acompanha-lo. Como o chefe de policia não estava na chefatura e sim no Palácio do Governo, para lá se dirigiram. Reunidos os quatro, deliberaram sobre a Lei no. 140 (que procurava enquadrar a Imprensa e consequentemente o Thomé) e o chefe de policia reconheceu ter sido desnecessário o chamamento de Thomé e pediu que A PROVINCIA e o JORNAL PEQUENO não noticiassem o fato de que Thomé tinha sido intimado, o que a princípio foi acordado. Mas como o jornal situacionista A FOLHA DO RECIFE quebrou o silêncio e noticiou o encontro, dando uma versão errônea do acontecido na entrevista, tentando diminuir ou desmoralizar o Thomé, A PROVINCIA publicou então a versão correta da entrevista e criticou a intimação, a exemplo do jornal lisboeta A EPOCHA.

DESAVENÇA COM A COMPANHIA DE SEGUROS SUL-AMÉRICA

Não foi a única vez que Thomé enfrentou problemas como jornalista.  Em 1909 foi julgado pelo Tribunal do Jury por um "crime de imprensa". Ele teria transcrito no Jornal Pequeno matérias da imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo contrárias a Companhia de Seguros Sul-America. A Sul-America teria duas contabilidades e um caixa 2, chamado na época de Verba Secreta e segundo os artigos, fraudava sorteios de apólices. Defendido por Adolpho Cirne, que foi diretor da Faculdade de Direito do Recife, Thomé foi absolvido e a Sul-América condenada a pagar as custas processuais. Os jornais do sul não chegaram a ser incomodados.

DESAVENÇA  COM  OCTAVIO DE FREITAS

A PROVINCIA de 22 de abril de 1902, traz a discussão publica que travaram pela mídia, Thomé Gibson e o dr. Octavio de Freitas, do Hospital Português. De um lado, Thomé criticava a condução dada pelas autoridades sanitárias a uma possível epidemia de Peste Negra que acontecia em Recife e do outro lado, o dr. Octavio de Freitas rebatia criticando "as notícias exaggeradas para aterrorizar  a população desta capital" publicadas pelo Jornal Pequeno. Negava a existência de surto e até mesmo a ocorrência de Peste Negra.

DESAVENÇA  COM  O GOVERNADOR

A PROVINCIA de 16 de fevereiro de 1904 nos informa que na noite do primeiro dia de carnaval, o Jornal Pequeno foi invadido por desordeiros que com armas em punho (revolveres e facas), procuravam por Thomé, afirmando aos gritos que o mesmo teria que ser morto. O ataque estava sendo comandado por Toninho Neves e Raymundo Neves, funcionários públicos do governo Sigismundo Gonçalves.  Ausente do prédio, Thomé estava na calçada do estabelecimento à frente na companhia de amigos e vendo o acontecido imediatamente foi em socorro de seus funcionários, atacando os desordeiros a bengaladas. Ajudado por amigos que o seguiram, expulsaram os agressores. O delegado e o sub-delegado de polícia compareceram ao local acompanhados por cerca de 20 praças e com eles o dr. Farias Neves, irmão dos agressores. Foi a segunda vez que Raymundo Neves agrediu Thomé, tendo ocorrido a primeira agressão no prédio do Thesouro do Estado.
Esta agressão foi noticiada como o "incidente Gibson" por Jornais do Rio, a então Capital Federal  - Jornal do Commercio e Jornal do Brazil, que a explicaram informando que apesar do fato de que o Jornal Pequeno ataca violentamente o governo estadual, este evento teve caráter pessoal pois com o advento do carnaval os ânimos teriam ficado mais exaltados.


Em 22 de maio de 1909 A PROVINCIA reproduz em suas páginas o indignado editorial do Jornal Pequeno no qual comenta e critica como falsa a notícia dada pelo jornal carioca A IMPRENSA de que Thomé Gibson passa a ser governista e que em breve "será eleito deputado por gente do governo".

Apesar do desmentido, os boatos e comentários sobre um Thomé governista passam a ser cada vez mais fortes e convincentes em Pernambuco. Sintomaticamente o Jornal do Recife aos poucos diminui sua hostilidade ao Thomé.

Em 09 de março de 1911 A PROVINCIA noticia (com malícia) que foi nomeado para administrador dos correios o sr. José da Cruz Cordeiro. O candidato rosista teria sido o dr. Thomé Gibson.

Em 31 de agosto de 1911 A PROVINCIA critica a mudança de lado do Thomé, que passa a ser governista.  Tinha publicamente aderido ao grupo do Conselheiro Rosa e Silva.

Em 20 de maio de 1917 A PROVINCIA informa que Thomé foi entrevistado no Rio pelo jornal A RUA sobre a política pernambucana. Na entrevista Thomé faz elogios ao governador de Pernambuco Manuel Borba, rosista.

Na edição de 05 de outubro de 1920, uma nota destacada com o título "CENTRO PERNAMBUCANO" na primeira página do Jornal do Recife, tem-se a noticia: "O sr. dr. Thomé Gibson, director do <Jornal Pequeno>, mandou hontem, gentilmente, mostrar-nos o telegrama que recebeu do dr. Antonio Austregesilo, deputado federal, narrando a recepcção oferecida no Rio de Janeiro ao sr. coronel Lima Castro, prefeito do Recife, pelo Centro Pernambucano".

As relações amistosas com o JR tinham sido restabelecidas.

Na coluna ELEIÇÃO ESTADUAL publicada pelo Jornal do Recife na sua edição de 18 de janeiro de 1925, na qual traz a relação dos parlamentares eleitos para os cargos de senador (equivale hoje a deputado estadual) e de deputados distritais (equivalente a deputado federal) Thomé aparece como o 4o. senador mais votado entre os sete eleitos, com 25.070 votos.  Ainda faltava a apuração de alguns municípios.

 Em seguida o Jornal do Recife faz uma crítica sobre as eleições, na mesma coluna: "Francamente, não sabemos como possam existir 25.000 (?) votos, quando a abstenção do eleitorado foi a mais franca, mais visível possível. Outra coisa que não conseguimos comprehender foi a rápida apuração. O pleito realizado no mais longínquo ponto do Estado foi apurado, contado e remetido para o Recife no mesmo dia da chamada eleição. É phantastico, mesmo?"

Bom, o que nos chama atenção nessa nota é o fato de que o mais votado dos senadores eleitos teve 25.241 votos e o menos votado deles 24.590 votos. Entre estes dois extremos se encaixam mais 05 eleitos, todos eles com votação muito próxima uma da outra. Realmente, parece "coisa arrumada". Mas, estranhamos o Jornal do Recife, situacionista, fazer esta crítica.

Em 10 de julho de 1928, no JR a notícia do falecimento do Thomé:  SENADOR THOMÉ GIBSON  -  "Em a residência da viúva Manoel Medeiros, no becco da Fábrica, na Magdalena, falleceu às 2 e 30 de hoje, o illustre sr. senador estadual dr. Thomé Gibson, director proprietário do <Jornal Pequeno>. O sepultamento effectuar-se á hoje, as 16 horas, no Cemitério de Santo Amaro, sahindo o fétetro da casa onde se deu o óbito".

De todos os necrológios que tive acesso, vou reproduzir justamente o do Jornal do Recife. Na minha avaliação foi o mais completo e resumido:

SENADOR THOMÉ GIBSON

"Enfermo há alguns mezes, veio a fallecer àS 2 e 30 da madrugada de hontem o illustre dr. Joaquim Thomé de Barros Gibson, senador estadual e director-proprietário do Jornal Pequeno.

O óbito ocorreu na residência da exma. viúva do coronel  Manoel Medeiros, no becco da Fábrica na Magdalena.

O extincto era formado por nossa Faculdade de Direito, e lente em disponibilidade da antiga Escola de Engenharia, tendo, porém, militado sempre no jornalismo desde sua mocidade.

Trabalhou durante algum tempo no Jornal do Recife, sahindo depois para o Jornal Pequeno onde escrevia ao lado de Julio Falcão e outros, tornando-se depois seu director proprietário.
O dr. Thomé Gibson era solteiro e deixa, além de sua veneranda genitora, quatro irmãos: exma. sra. d. Alice Gibson Amado, esposa do exmo. senador Gilberto Amado, presentemente em Paris; d. Maria Gibson Santos, viúva do saudoso official da Armada, comandante João Santos e senhoritas Carmelita e Mathilde Gibson.

O enterro efectuou-se hontem, as 16 horas, tendo saido da casa onde se deu o fallecimento, com um grande acompanhamento de carros e automóveis.

Foi numerosa a assistência ao acto fúnebre, tendo-o assistido autoridades, congressistas, funcionários públicos, comissões de associações religiosas e profanas e muitas outras pessoas.
O Senado compareceu incorporado bem assim a respectiva secretaria.

Foram depositadas sobre o féretro numerosas corôas.

O dr. Thome Gibson pertencia às seguintes irmandades e confrarias: N.S. da Luz, do Carmo, São Sebastião, do Terço, São José de Ribamar, Confraria de Santanna da egreja de Santa Cruz.
Era sócio benemérito do Real Hospital Portuguez de Beneficiência; mordomo da Santa Casa de Misericórdia, cooperador parochial da Matriz da Boa Vista, membro do Instituto Archeológico e Geográphico de Pernambuco, sócio remido do Círculo Cathólico, sócio honorário das sociedades Beneficiente da Magdalena e Musical Cabunguense.

O Senado logo que teve notícia do fallecimento do senador Thomé Gibson mandou hastear a bandeira em funeral.

A sessão foi suspensa em signal de pezar, tendo antes feito o necrológio daquelle congressista o senador Walfredo Pessoa.

Na Camara foi feita idêntica homenagem a memória do dr. Thomé Gibson.

Simplesmente a bem da verdade da história da imprensa em nossa terra fazemos uma ligeira retificação a uma parte da notícia publicada hontem sobre a vida jornalistica do dr. Thomé Gibson.

O <Pequeno Jornal> não foi fundado por ele e sim por nosso director sr. Luís Pereira de Oliveira Faria; assim também não foi elle o fundador do <Jornal Pequeno> pois ainda trabalhava no <Jornal do Recife> quando Júlio Falcão, Hersilio de Souza, Paulo de Arruda e Gaspar Menezes fundaram aquelle jornal para o qual o dr. Thomé Gibson entrou depois ficando, por fim, como seu director proprietario".

Em 18 de julho de 1928: "Esteve hontem, nesta redacção o sr. Romeu Medeiros, gerente do JORNAL PEQUENO , o qual nos veio agradecer, em nome daquelle vespertino, as referências que fizemos a memória do senador Thomé Gibson".

Dentre os vários necrológios que relatam a sua vida, cito o que foi publicado na Página da Saudade da Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco e o escrito por Assis Chateaubriand. Por serem muitos extensos deixo de transcrevê-los mas ambos estão a disposição de interessados mediante solicitação.

Romeu Medeiros era casado com a nossa prima Laura Magalhães (filha de Elisa Gibson e Bento Magalhães). Thomé residia na casa deles e coube a Romeu Medeiros a condução do Jornal Pequeno após a morte de Thomé.

Durante vários anos após a morte de Thomé, fez parte das comemorações do Dia da Imprensa uma visita ao Cemitério de Santo Amaro onde se homenageava os jornalistas que ali estavam sepultados e era no Jazigo da Família Gibson, onde tinha sido sepultado e estavam os restos de Thomé, que a comitiva se detinha e onde os jornalistas proferiam discursos, enaltecendo a sua memória.

Thomé não deixou descendentes conhecidos e foi homenageado pela Prefeitura do Recife, dando seu nome a uma rua no bairro do Pina. O governo do Estado por sua vez, batizou uma de suas escolas, localizada no Alto José Bonifácio, com o nome de Escola Estadual Tomé Gibson.


Gustavo Gibson













Prédio do Jornal Pequeno, já em demolição


              Laura e Renato Medeiros




Romeu ou Renato com equipe do Jornal Pequeno



Caso você queira contribuir com nosso trabalho, com outras informações, fotos ou documentos que possam enriquecer esta postagem, pedimos que entre em contato com gustavogibson@gmail.com  Todos agradecemos