Em 1832 Henry chega ao Brasil enfrentando vários desafios: a língua, o
clima, os costumes, as doenças tropicais (Edward
Fox perdeu um irmão em Recife, com tifo) e principalmente a conjuntura
política da época. Sem laços familiares, não sabemos se tinha algum contato
aqui no Brasil que o pudesse ajudar. Não sabemos também porque optou por Pernambuco
ao invés do Chile, onde seu tio e mentor, Adam Haworth, parece ter se estabelecido
por mais tempo.
Retiramos do livro "Um
homem contra o Império", de Mário Márcio de A. Santos, a
descrição do Recife em 1827, cinco anos antes da chegada do Henry e que não
deve ter sofrido nenhuma grande alteração naquele ano de 1832, quando chegou ao
Brasil o jovem Henry Gibson, com então 20 anos de idade:
"Era um Recife pantanoso, o de
1827, recortado de camboas (algo
maior que um beco e menor que uma rua. Ainda resta-nos uma em Recife: a Camboa
do Carmo), ruas estreitas, sombrias, um burgo
de 40.000 habitantes e 5.000 casas. Assemelhava-se a uma clareira quase
submersa nas águas ou comida pelas matas, que chegavam até Beberibe, Várzea e
Casa Forte. Os arrabaldes eram povoações afastadas, de difícil acesso aos
bairros centrais de Santo Antônio, São José e São Frei Pedro Gonçalves. Os dois
rios cortavam a planície, ora numa linha reta, monótona, ora em curvas suaves a
refletir os muros enramados das quintas e os galhos dependurados das árvores.
Barcos ligavam Olinda ao Recife e os caminhos por terra ladeados por mangues,
matas e canaviais".
Era uma província inquieta politicamente. As ideias liberais que chegavam geralmente trazidas por seus filhos que iam estudar no exterior, ou por viajantes
estrangeiros, e mesmo através de livros e de outras publicações, incentivavam o
sentimento de revolta entre a elite pernambucana, que participava ativamente,
desde o fim do século XVIII, de sociedades
secretas com ideias libertárias, como as lojas maçônicas. Nestas
sociedades secretas reuniam-se intelectuais, religiosos e militares, que
estavam sempre a elaborar planos para mais uma revolução. Florescia principalmente
o sentimento nativista.
Motins e sublevações se sucediam:
A Convenção de Beberibe em 1821;
O Levante de Pedroso em 1823;
A Revolta dos Roma em 1829;
As Insurreições de 1831 a 1832
(Setembrizada, Novembrada e Abrilada);
As Carneiradas em 1834 - 1835;
além dos motins de 1844, 1845, 1847 e junho de 1848.
Hoje, apenas lendo esta relação de acontecimentos tão antigos, já tão distantes, não temos a ideia
exata do drama que cada um deles representou para os recifenses da época. Tomemos por
exemplo a "Setembrizada", um dos episódios considerados
"menores" (apenas uma revolta militar de curta duração) ocorrida
entre os dias 14 e 16 de setembro de 1831 no Recife e realizada cinco meses
depois que Dom Pedro I abdicou do trono. Pedindo sua volta, soldados do
Batalhão 14 teriam saqueado a cidade cometendo inúmeras atrocidades em casas
particulares e estabelecimentos comerciais.
Segundo Gilberto
Freyre documenta, durante o saque
ao Recife correu muito sangue, e os soldados não faziam a menor cerimônia em
matar e roubar. Trezentas pessoas
acabaram mortas e outras 800, presas.
Imaginem então o medo e o terror vivido pelos recifenses nestes 3 dias
de insubordinação militar. E quando nos
referimos às revoluções?
Não era à toa que Pernambuco era conhecido como o "Leão do Norte".
O porto do Recife era pungente, exportando algodão e açúcar. O comércio,
dominado por estrangeiros, era descrito pela Folhinha de Algibeira de
1844, informando a existência de 77 grandes comerciantes no Recife, dos quais
menos de um terço se compunha de brasileiros: 23 nacionais, vinte
ingleses (aqui estavam incluidos
Henry Gibson e os irmãos Fox), dez alemães, nove franceses, oito portugueses,
três norte americanos, dois suíços, um dinamarquês e outro holandês.
O comércio a retalho - bodegas, tavernas e lojas, era quase totalmente
dominado por lusitanos, que detinham o monopólio.
Afirma-se que o Brasil daquela época (pós independência) era uma semi colônia
inglesa. E os nativistas, tinham tanta aversão aos lusitanos quanto aos
ingleses: "Mas se os
portugueses nos fazem consideráveis danos, não menores nos fazem os ingleses,
que se julgam senhores deste país constantemente abandonado a suas
traficâncias". (O Verdadeiro Regenerador - Recife, 4 de janeiro
de 1845).
No dia 26 de junho de 1848, o processo insurrecional que iria culminar
com a Revolução Praieira, começa a se acentuar. O jornal O LIDADOR de 30 de
junho de 1848, diz que jovens estudantes do Liceu (atualmente Ginásio Pernambucano), aos gritos
de "MATA, MATA MARINHEIRO!" (termo depreciativo para designar
estrangeiros, principalmente os lusitanos. Em contra partida, os nascidos em
Pernambuco eram chamados de "caibras"), tinham incitado uma turba que
promoveu apedrejamento de casas comerciais de portugueses. "Nesses primeiros momentos, oito
portugueses foram mortos e houve um grande número de feridos, alguns com
gravidade. Cadáveres foram arrastados pelas ruas até a igreja do Rosário. Casas
foram arrombadas e saqueadas".
Verdadeira barbárie!
Relatório da Secretaria de Polícia de Pernambuco, datado de 11 de
dezembro de 1847, hoje em poder do Arquivo Público, relata o apedrejamento de
três portugueses e "que entre
os dias 4 e 8 do corrente, foram também maltratados no bairro de Santo Antonio,
um inglês, um francês e quatro portugueses".
"Um fato tão insultoso, quanto audaz e imoral:
O marinheiro - Mané das Carroças -
bem conhecido nesta cidade, segundo a voz pública, até por ladrão de galinhas, teve
o arrojo, esse maroto de insultar a um honrado inglês, velho capitalista e
proprietário edificador que por sua infelicidade tem ao pé de si essa carroça
do inferno". (A Voz do Brasil, Recife, 16.junho.1848).
Mas os portugueses reagiam também com violência. Uma quadrinha muito
popular na época:
"Alerta
guerreiros lusos
Contra os caibras
brasileiros
Toque-se logo
rebate,
Matemos estes
brejeiros"
A repulsa ao estrangeiro, fenômeno típico das cidades pré industriais,
no caso do Recife era agravado pelos atritos entre brasileiros e lusitanos, que
vinham ocorrendo desde o século XVIII, com a Guerra dos Mascates.
Foi esse forte sentimento político de xenofobia que Henry encontrou ao
chegar em Pernambuco, uma terra que quase podia ser descrita como "sem fé, sem lei e sem rei " e
com o qual conviveu por muitos anos.
Além da questão política e da questão ética, vivia-se uma época de impunidades.
O nosso governador Francisco do Rêgo Barros - o Conde da Boa Vista, um dos
chefes da maior oligarquia latifundiária de Pernambuco, era acusado de ser
conivente com os desmandos praticados por seus parentes, os irmãos Cavalcanti.
"Na verdade o termo Irmãos Cavalcanti não se referia a apenas
uma única família, os Cavalcanti, mas várias (oriundas de um mesmo
tronco): os Albuquerque, os Albuquerque
Maranhão, os Paes Barreto, os Moura, os Carneiro da Cunha, os Andrade Lima, os
Rêgo Barros, os Wanderley, os Souza Leão, os Vieira de Melo, os Bulhões, os
Falcão, os Lacerda, os Rêgo Monteiro e muitos outros". ("Um homem contra
o Império", de Mário Márcio de A. Santos).
Ou seja, parece que toda a nata da sociedade pernambucana à época, estava
comprometida com roubos e assassinatos. Observem que aí estão relacionados
antepassados de muitos de nós - Gibsons.
"Qual o cidadão, perguntava o
padre Lopes da Gama, que podia contar seguros os seus cavalos, os seus
escravos, se ali estavam o Chico Macho (Francisco do Rêgo
Barros - homônimo e parente do Governador), José Maria, José do Rego e Cia., todos membros da legítima influência,
todos pertencentes a grã pata-coada da ordem para os bifar? Ninguém ignorava em
que mão estava a sua propriedade: mas quem se atrevia a recorrer aos meios
legais para reaver, que não fosse vítima do punhal, e mais do bacamarte desses
potentados da terra? Ignoravam por ventura as autoridades do partido ordeiro
esses feitos escandalosos? Não sabiam, que José do Rego, irmão do sr. Barão da
Boa Vista (Francisco do Rego Barros, governador de Pernambuco) capitaneava uma
quadrilha de salteadores do lugar do Arraial, onde até estabeleceu um cemitério
para sepultar as suas vítimas? E deram nunca a menor providência a este
respeito?" ("O
Padre Lopes da Gama - Um Analista Político do Século Passado").
" ....informa o Chefe de Polícia
que além de muitas quadrilhas de salteadores que vagam por toda a província,
tem-se feito mais notável pelos continuados roubos e assassinatos, uma composta
de mais de trinta indivíduos, que costuma infestar as estradas de Pau Seco e
Carvalhos, de que tem resultados serem abandonadas alguma fazendas por seus
respectivos proprietários com sacrifício de seus interesses". (Correspondência
do Corpo de Polícia - PM 1825 - 1832).
Mas não podemos olhar nossos avós sobre a ótica da ética atual.
Lembrem-se que a Inglaterra usava o ópio para dominar a China e a Indonésia,
que os governos inglês, francês e holandês davam cobertura a piratas que viviam
saqueando as cidades litorâneas das Américas, que todos os países europeus -
principalmente os colonizadores e inclusive o Vaticano, aceitavam e até mesmo
utilizavam mão de obra escrava, que os espanhóis dizimaram populações indígenas
nas Américas, etc...
Então, não podemos fazer juízo sem entendermos a ética daquela época.
A EMBOSCADA
Uma história interessante nos relata Sara Maybury, a respeito de uma
emboscada sofrida no Brasil por seu avô Edward Henry James Fox: "A tradição oral da família Fox ainda
nos informa que já no Brasil, EHJF foi roubado em £15.000 durante uma emboscada
provavelmente realizada, ou idealizada, por alguém ligado aos Oliveira - no
entanto, não sabemos exatamente quem.
Ao conhecer Maria Adelaide, EHJF a
pediu em casamento para quando a mesma atingisse a maioridade e se isso lhe
fosse concedido, o ladrão poderia ficar com o dinheiro. Porém, esta dívida foi
paga aproximadamente em 1865 (Francisco Gomes de Oliveira – tio de Maria
Adelaide, destinou esta quantia a EHJF no seu testamento). Temos uma
cópia do livro contábil de EHJF onde ele registra este pagamento. O livro
original foi doado para a Biblioteca Guildhall, em Londres".
Bom, o fato é que apesar do dinheiro ser restituído, nunca nos
devolveram Maria Adelaide.
Nos registros de nascimentos da Igreja Anglicana existe um hiato de
cinco anos nos registros dos filhos de Henry & Alexandrina. Entre Mary,
nascida em maio de 1847 e Charles, nascido em dezembro de 1852. Nesse intervalo
sabemos que Henry teve três outros filhos: José, George e Amélia, que não foram
registrados na Igreja Anglicana e que teriam nascido na cidade de Cabo de Santo
Agostinho - PE. (não temos a certeza se Alexandrina seria a genitora deles
- vide: Os Gibson de Pernambuco no nosso site).
Uma hipótese seria que Henry, por segurança, tenha retirado a família de
Recife.
Tempos difíceis, mas Henry sobreviveu a todas essas dificuldades e aqui
estamos nós, tentando contar a sua história.